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Wicca e a lei tríplice

Entre em qualquer grupo ou página não wiccana, procure quaisquer tipos de feitiços polêmicos, pode ser algo simples, como uma magia de amor, ou mesmo — como num caso recente que eu presenciei — alguém que deseja vingar-se do ex-marido abusivo com histórico de violência domestica; leia os comentários e é certo, como o céu é azul as três da tarde, que haverá alguém comentando sobre a lei tríplice e o porquê a pessoa não deve fazer isso porque a deusa castiga.


Não com a mesma frequência, mas ainda assim comum; alguém responderá este mesmo comentário citando o quanto wiccanos são falsamente bonzinhos e são inofensivos abraçadores de árvores. E no final, nenhum destes dois grupos entendeu coisa alguma sobre a rede wiccana ou mesmo sua relevância filosófica dentro da religião.


Começando do principio, quando falamos de wicca, estamos falando de uma série de grupos independentes que segue mais ou menos o mesmo tronco litúrgico, com celebrações que levam em consideração as forças da natureza e pelo menos alguma variação do mito da roda do ano. Cada tradição, no entanto, é até certo ponto livre para fazer suas interpretações disso e, por isso, temos várias wiccas, plurais entre si e com opiniões distintas.


No Brasil, a grande maioria dos grupos sérios, salvo algumas exceções, são ramificações daquilo que é chamado de Wicca Diânica, mesmo aqueles que não se denominam assim diretamente possuem semelhanças bem perceptíveis, como a primazia da deusa, sendo esta entendida como o próprio cosmos, e o entendimento das divindades como imanentes.


Dito isto, entendam que meu ponto de partida é consenso na maioria destes grupos, e, apesar de eu não crer que haja uma verdade acabada dentro da wicca, este entendimento do conselho wiccano é o mais perto disso que você verá.


A questão é essa: o conceito da lei tríplice não é, ao contrário do que é muito difundido por ai, uma lei universal que consiste numa deusa segurando um ábaco gigante no centro do universo calculando tudo o que você faz e multiplicando por três — isso é um conceito cristão, aliás.


A Lei Triplice nada mais é do que um voto iniciático, como tal, só está sujeito a ela aqueles que ao se iniciarem prestaram este voto. Dizer a um não-iniciado para tomar cuidado com a lei tríplice é o mesmo que ameaçar um não-militar com corte marcial, simplesmente não se aplica.


Ainda assim, o conceito do tríplice retorno é geralmente entendido mais como um norte filosófico do que uma lei, nenhum wiccano que se preze vai deixar de fazer aquilo que ele acredita ser certo, ou aquilo que ele acha que deve fazer, porque ele vai pagar pelas consequências daquilo; ser um sacerdote na wicca implica o conhecimento de que a responsabilidade por suas ações é o baluarte da sua existência entre os mundos, e como um desperto — um iniciado — um sacerdote é ainda mais responsável por suas ações mágicas, pois em tese ele deveria compreender o peso de suas ações no corpo da deusa, que é o cosmos.


No fim das contas, o conselho wiccano é um lembrete de que o universo opera por uma questão de causa e consequência; não é nem sequer uma questão moral, pois a deusa não é entendida como boa, ela é tanto a destruição, quanto a criação, é simplesmente uma questão de, no exato instante em que você gera uma causa, aquilo vai voltar para você em forma de consequência. E nem sempre isso é fácil de prever em termos de certo ou errado.


Vejamos o exemplo da jovem com o marido abusivo, se ela tivesse feito essa pergunta entre wiccanos iniciados, não haveria sequer discussão sobre se vingar ser errado, ela foi atacada e é dever dela defender-se da maneira como ela julga necessário e pagar as consequências dessa defesa, provavelmente a consequência disso seria se livrar do marido abusivo e ser feliz. O universo não é um personagem da Sessão da Tarde, pronto a dar uma lição de moral naqueles que não são iluminados o bastante; na wicca esta própria questão de iluminação e evolução é relativa.


Reiterando: aqueles não iniciados estão sujeitos a uma simples lei do retorno, que nada mais é do que uma lei da física, toda ação gera uma reação, e pasmem, isso sequer é gerido por uma força inteligente moralista, é simplesmente como dominós que caem após o primeiro ser derrubado. Deuses, aliás, raramente se metem onde não foram convidados.


Há outra derivação da lei wiccana, esta já não é exatamente um consenso, mas tem certa força filosófica entre os grupos, que é o entendimento do iniciado como agente da lei tríplice. Isso significa que uma vez que alguém ofende a mim ou a alguém dos meus, é meu dever de juramento agir como instrumento dos deuses e devolver a esta pessoa em triplo aquilo que ela me mandou.


Alguns wiccanos fazem isso de maneira direta, outros preferem a mediação de deuses no conflito, mas ainda assim é o mesmo principio, como agente da lei tríplice, é meu dever agir enquanto tal e não simplesmente esperar um “castigo divino” que se abaterá sobre essa pessoa.


Então da próxima vez em que você ouvir alguém falando do castigo divino da lei tríplice ou de wiccanos como esquilinhos do bosque inofensivos, lembrem-se da máxima do Calar:


“Aquele que grita o poder que tem, não o tem; aquele que tem, fala baixinho”.



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